2005/06/09

PRAZER

À ditadura do sofrimento imposta às gerações passadas, assistimos hoje à ditadura do prazer. Procura-se desalmadamente um prazer total e ideal caindo no esquecimento o usufruto dos pequenos prazeres quotidianos. A busca desenfreada de um prazer total gera frustrações e revoltas que provocam um desprazer e um sofrimento angustiante. É nesta contradição que vivem as gerações actuais levando à sua frente valores e princípios que são espezinhados em nome dela. O esquecimento de um viver reconfortante e solidário e um centrar de tudo no “eu” provoca um conflito existencial do qual é difícil sair. É neste contexto que surgem, cada vez com maior intensidade, os distúrbios e disfunções psíquicas. O ser humano tem tendência a equilibrar as suas emoções e afectos e com tal perca de auto-estima provocada pelo desprazer sentido, surge um conflito pessoal do qual só é possível sair com a ajuda de terceiros (ajuda “divina” ou médica). O ser humano perde-se nele próprio e, sem rumo, vagueia pela vida em busca de quimeras impossíveis. A desilusão e a tristeza tornam-se assim mais usuais e o prazer ambicionado aparece, deste modo, mais distante.
Surge assim um desejo mórbido pela desgraça alheia como que tratando-se de uma necessidade oculta de exorcizar os fantasmas da frustração pessoal. O mundo explora muito bem e de uma forma lucrativa todo esse desejo, ostentando pornograficamente até à exaustão todas as desgraças mais íntimas do ser humano. Parece que quanto maior for a desgraça maior é a catarse conseguida. O mundo vive uma orgia de prazer macabro quando tem oportunidade de tomar conhecimento de uma desgraça planetária. Lembremo-nos da forma orgástica como se comenta um atentado ou a ofensiva de um exército. É a esquizofrenia colectiva no seu grau mais puro e cruel.
No sentido aparentemente oposto mas complementar desta forma de estar, aparece o voyerismo pela aparente felicidade vendida em doses gigantescas pelos media. Apesar da mentira que todos percebem que está a ser transmitida, o seu consumo torna-se num deboche saboreado pelas pessoas. Transmitem-se para essas mentiras a verdades cruéis que assaltam o quotidiano como que refrescando com lume a ardente realidade em que se vive. Os prazeres aparecem projectados em mentiras e a sua consistência tem um prazo de validade terrivelmente limitado.
A ditadura do prazer acaba por tornar-se numa nova ditadura do sofrimento. É nesta contradição que vamos vivendo.

1 Comments:

At fevereiro 18, 2013, Blogger helena antonio said...

Gostei!
É "preguiçosamente" bom quando alguém põe por palavras aquilo pensamos!

 

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