2005/08/21

LAZER

Na quietude de uma tarde de Verão, algures entre uma praia e um hotel, numa esplanada mais ou menos silenciosa, desfrutamos o prazer de não ter nada para fazer a não ser existir. É este o conceito de lazer a que todos temos direito mas que nos é negado por mentalidades retrógradas e doentias ou por injustiças sociais que nos devoram. Mas não é um conceito rígido e fixo que nos deve prender e amordaçar. O conceito de lazer liga-se sobretudo à capacidade de usufruirmos da nossa liberdade pessoal.
A dignidade do trabalho também se deve medir pela capacidade de saborear o lazer que nos faculta. O trabalho, medida absoluta de dignidade para alguns, não o pode ser só por si. Aquilo que nos proporciona, a respeitabilidade que nos confere, a decência que nos imprime é também a capacidade de nos aproveitarmos dele para nós próprios. Ainda está um pouco na moda o orgulho de ser “workaholic”. Passeia-se esta espécie diante de nós, constantemente ao telemóvel, correndo de um lado para o outro, fazendo crer que tudo não passa de uma questão de velocidade. Duvido sinceramente da eficácia de tanta urgência sem tempo para pensar, amadurecer ideias, enriquecer conceitos. Para esses sugeria um tratamento especial ou talvez uma ida voluntária aos “workaholics anónimos”.
As férias e os fins de semana são uma conquista recente das sociedades civicamente avançadas. O “direito à preguiça” é um dos principais triunfos sociais da segunda metade do século XX. Há ainda quem tente obstruí-lo, menosprezá-lo, dando a entender que é um favor que se presta a quem o goza. É um direito e mais do que isso um meio de nos apropriarmos de nós próprios, quando temos de suportar um quotidiano carregado de deveres e obsessões desmesuradas que nos transforma em autómatos durante a maior parte do tempo que vivemos. O lazer é o momento de reinventarmos as nossas vidas, de vivermos a nossa liberdade e a nossa capacidade de sermos donos do nosso destino.
Por vezes o conceito de lazer torna-se numa nova dependência quando temos obrigatoriamente de fazer dele algo de espectacular para depois podermos exibir orgulhosamente perante os outros, narrando feitos de um período efémero e vazio. Impõe-se deste modo sair, fugir, viajar, ir para longe… Quanto mais espectacular for o feito mais “admiração e inveja vai despertar”. Aparecem assim os escravos do lazer, aqueles para quem estes períodos não passam do prolongar da servidão que têm perante si próprios. Não conhecem a liberdade e são meras cópias de modelos fictícios que aparem em revistas e séries televisivas de intenções duvidosas. Vivem no caos da imitação e na insatisfação constante de não saberem usufruir dos momentos da vida repetindo modelos gastos e obsoletos. Sim, “porque a vida é um momento…”
Há ainda outros para quem o lazer é um modo de vida. São os que nada fazem e nunca trabalharam para merecer esse descanso. Confundem lazer com parasitagem. São os inúteis da sociedade que teimam em viver à custa dos outros. Para estes o lazer não existe porque se transformou em futilidade e dependência. Não conhecem mais nada para além disto e por isso são vazios, pouco criativos e não passam de seres vegetativos precoces.
O lazer deve ser a principal razão de existência do nosso quotidiano.
O lazer é a razão do trabalho.